Não foi uma, nem duas. Sequer três. Quiçá quatro? A escala numérica é grande. Não se conta nos dedos, mas na memória imbatível da soberania de uma verdade.
Contáveis, mas inconfundíveis, as inverídicas, contraditórias e infundadas informações traduzem os depoimentos diários pronunciados aos quatro cantos pelos depoentes na Comissão Parlamentar de inquérito, a CPI da Covid-19.
Desinformação nos depoimentos da CPI da Covid-19
Quando criada no Senado, em abril desse ano, a CPI veio à tona sob o propósito de investigar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia e o colapso da saúde. Porém, aliada a todas as problemáticas governamentais durante uma pandemia que já vitimou 442 mil pessoas no país- o equivalente ao número de habitantes da capital de Santa Catarina, Florianópolis – a CPI, não surpreendentemente, tem entre seus grandes desafios desmascarar as informações inverídicas, confusas e por vezes infundadas, que saem da boca dos depoentes e até mesmo dos próprios senadores, ao que tudo parece, a “sangue frio”.
Sem culpa? Sem arrependimento?
Fabio Wajngarten, o ex-secretário de Comunicação do Governo Bolsonaro, disse, por exemplo, que a Campanha publicitária “O Brasil Não Pode Parar “, a qual incentivava o fim do isolamento social e afirmava serem “raros os casos de vítimas fatais de Coronavírus entre jovens e adultos”, não era de seu conhecimento. Mentira! A campanha, excluída das redes sociais pela Secom, portava oficialmente a assinatura da Secretaria de Comunicação do Governo, a que ele era o responsável.
A mentira sobre a vacina
Eduardo Pazuello, o ex-ministro de Saúde – aquele flagrado passeando sem máscara em um shopping – respondeu aos questionamentos dos senadores com PELO MENOS 14 mentiras ou contrariedades, segundo o relator da CPI, Renan Calheiros. Agências de Checagem confirmaram as mentiras.
Entre os falsos testemunhos está um dos temas que poderia ter evitado a morte de mais de 400 mil pessoas, entre pais, mães, filhos e filhas: a vacina!
Sobre as ofertas das vacinas da Pfizer, Pazuello afirmou na CPI da Covid-19 que respondeu a todas as ofertas de vacinas da farmacêutica, mas que as negociações não avançaram no segundo semestre de 2020 pela imposição de “cláusulas assustadoras” no contrato. Contraditório! Ele contradisse o CEO da Pfizer, Carlos Murillo e o ex-chefe da Secom, Fábio Wajngarten, os quais afirmaram que as ofertas foram ignoradas pelo Ministério da Saúde por diversas vezes.
Tratamento precoce
Em mais uma declaração duvidosa, sobre o aplicativo TrateCov, criado para orientar médicos a prescrever o “tratamento precoce” contra a Covid-19, Pazuello disse que a ferramenta não chegou a entrar em operação. Mentira! A plataforma foi lançada oficialmente em cerimônia em Manaus no dia 11 de janeiro e noticiada ao vivo por uma rede de Tv.
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Ataques À China
Já o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chegou a afirmar na CPI da Covid-19 que “jamais promoveu atrito com a China”. Mentira!
Os ataques à diplomacia chinesa ganharam destaque em abril do ano passado, quando o ex-ministro publicou um artigo em seu blog, no qual chamou o coronavírus de “comunavírus.
A checagem salva
Quem mente? Como “separar o joio do trigo”? Essa é uma das perguntas a ser feita para os “fact-checking” ou checadores de fatos profissionais. Isso porque trabalho é o que não falta para os checadores de plantão em tempos de negacionismo e fanatismo ideológico e político, o que é tão pujante no país verde e amarelo.
Não à toa, as Agências de Checagem foram lembradas pelo relator da CPI da Covid-19, Renan Calheiros, o qual cogitou, nesta semana, a possibilidade de contratar uma agência de checagem para “acarear” em tempo real as informações fraudulentas de autoria de ex-ministros e integrantes do governo bolsonarista.
Quanto vale uma mentira? Ela tem preço? Quantas vidas durante uma pandemia padeceram sob a omissão? Quantas ainda valerão uma declaração política falsa?
Mentira tem preço
Um e-mail não respondido, um contrato não avaliado, uma indicação de um remédio sem comprovação científica. Um diminutivo à doença (“gripezinha”), um desincentivo à imunização e ao uso de máscara. A desinformação pode matar?
Diante do cenário em que não mais se deve prevalecer o jornalismo declaratório sem checagem, a guerra contra a desinformação, principalmente quando se trata de saúde, depende do senso crítico comum. Quando ele falha, surge como uma luz no fim do túnel, o papel primordial da checagem de fatos.
A luz da checagem
O que a checagem objetiva é que o caminho para distinguir a verdade da mentira tenha como iniciativa o senso comum. Hoje, no Brasil, há ao menos quatro organizações de fact-checking que passaram por auditorias promovidas pela International Fact-Checking Network (IFCN), rede que reúne os checadores profissionais de todo o mundo, nos últimos anos. São eles:
Além disso, há projetos independentes em comunidades e universidades e no ambiente educacional. E quando os checadores são lembrados durante uma das CPI’s mais importantes e exclusivas na história do Brasil, acredita-se que o combate à desinformação é mais do que urgente!
A fundadora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila, descreveu bem, em sua coluna no Uol, nesta semana, o momento. “Desde 2014 repito que a desinformação encabeça a lista dos maiores problemas que a política mundial enfrenta. Desde 2014 digo que é urgente unirmos forças para fazer frente às notícias falsas. Bom ver que isso fez sentido agora, em 2021”.
E por fazer sentido desde sempre, é que a Âncora dos Fatos também embarca no combate à desinformação!
Notas:
*A CPI é uma comissão parlamentar de inquérito em andamento na República Federativa do Brasil que investiga supostas omissões e irregularidades nos gastos do Governo Federal durante a pandemia de Covid-19 Brasil.
*A checagem de fatos é uma prática jornalística que visa verificar a veracidade das notícias.
*Entre os compromissos das agências de checagem estão o apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia e política de correções aberta e honesta.